Monday 26 November 2007

Desperdiçando a madrugada


Envolto pela névoa que, numa madrugada benzida pela luz da lua, ganha formas fantasmagóricas, estou. Apago mais uma lâmpada apenas por estar perto dela. Que se lixe. Ela voltará a acender daqui a minutos. O sobreaquecimento nestas madrugadas de inverno é lixado.
Solta-se uma briza, um supiro da natureza, que mexe e remexe o nevoeiro de milhares, milhões de partículas em suspensão em volta de mim. Esse vento trás uma caruagem negra. Não, um carro. Ouvem-se os pneus como se em cima de neve cruzassem.

"Andas a fugir do dia para esta noite de pedra? Para desaparecer como a luz se esvai da minha alma?" Perguntou o passageiro.

"Nem por isso", respondi com indiferença. Na verdade ele intrigava-me, mas não me interessava.

"Conduzo nesta estrada sem fim, porque não posso inverter o curso do tempo. Sabes há pessoas que desejam nunca ter nascido, desperdiçando estas madrugadas, como rosas que nascem dos espinhos de Jesus Cristo." Continuou.

Encostei-me ao frio candeeiro, sentindo o toque gélido na minha espinha, e respondi "Os espinhos nascem das rosas, não o oposto. E desde aí, se calhar até tem razão, caro senhor. Por por atribulações se pode alcançar leves e frescas rosas cobertas de neblina matinal. Depois de subir tantos espinhos."

"Gostava de conhecer uma ave de rapina, que me levasse a ver o sol. Sob o qual os lagartos tanto tempo passam. Debaixo do sol, esquecendo a noite." Suspirou.

Olhei para a lua. "Os teus corvos não o podem levar, caro senhor. Esperas um falcão branco, talvez? Sim, gostava de saber se também a morte pode morrer, e aí o senhor seria verdadeiramente livre. Livre de caminhar longe destas madrugadas desperdiçadas."

O passageiro do carro levou a mão ao crâneo, tocando no chapéu num acto de comprimento. E arrancou. Deixando-me só naquela fria noite, continuou na sua eterna caminhada nestas madrugadas desperdiçadas.

Friday 23 November 2007

Velocidade escaldante

Conduzo. Conduzo rapidamente. Altas velocidades. A estrada está limpa, ninguém a chatear. Uma pequena travagem e despisto-me, embato contra uma parede. Mas quero aproveitar este momento por mais um momento e apenas mais um momento.

Um pequeno erro e é a minha morte. E sabes que mais? É assim que eu te quero conduzir. Rapidamente, ardentemente, aproveitando o momento. É assim que eu te quero conduzir. Mas sabes que mais? Não existe perigo de despiste. Apenas o perigo de bater. Porque para nós não há travões.

Não há gelo na estrada. A estrada é quente e ardente. A estrada somos nós.

Estás a ver aquele muro, aquela curva apertada ali ao fundo? Que dizes, queres embater comigo? Ou vamos dar asas à nossa imaginação, alargar asas de corvo, asas de anjo, e voar... E aí, e aí nem a barreira do sonho nem a barreira do som nos poderá parar.

Vamos. Vamos desafiar a velocidade da luz.

Solitudine, a partilha


Para onde vais quando estás só?
Para onde vais quando estás triste?
Diz-me para onde vais, leva-me contigo!
Quero perder-me nesse mundo, nessa solidão!
Quero a tua solidão, quero estar contigo na tua solidão!
Queres um pouco da minha em troca, isso seria uma troca justa, não?
Estás só, mas não estás morta. Nem eu.